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LANTERNA NA POPA
As leis da política
ROBERTO CAMPOS
Era uma crespa noite de inverno londrino. Eu tinha convidado para um jantar na embaixada brasileira, ao fim dos anos 70,
o grande filósofo liberal francês
Raymond Aron e dois sociólogos
radicados na Inglaterra, Ralf
Dahendorf e Ernest Gellner, este
último professor de José Guilherme Merquior, meu conselheiro
de embaixada. Na curva do conhaque, quando filosofávamos
sobre nominalismo, realismo e
existencialismo, contei uma piada que Aron achou divertida.
Era a definição de "realidade"
dada por um irlandês, revoltado
pela interrupção de suas libações alcoólicas à hora do fechamento dos "pubs". "A realidade
é uma ilusão criada por uma
aguda escassez de álcool", disse.
Quando partiram os hóspedes,
resolvemos, Merquior e eu, em
rodadas de uísque, testar duas
coisas. Primeiro, a teoria irlandesa do realismo alcoólico. Segundo, nossa capacidade de recitarmos, de memória, aquilo
que poderíamos chamar de "leis
de comportamento sociopolítico" de variadas personagens e
culturas. Alternávamos nas citações, que registrei num alfarrábio que outro dia desenterrei
numa limpeza de arquivos. Ei-las:
A lei de Lênin: "É verdade que
a liberdade é preciosa. Tão preciosa que é preciso racioná-la".
A lei de Stálin: "Uma única
morte é uma tragédia; 1 milhão
de mortes é uma estatística".
A lei de Krushev: "Os políticos
em qualquer parte são os mesmos. Eles prometem construir
pontes mesmo quando não há
rios".
A lei de Henry Kissinger: "O
ilegal é o que fazemos imediatamente. O inconstitucional é o
que exige um pouco mais tempo".
A lei de Franklin Roosevelt:
"Um conservador é um homem
com duas excelentes pernas,
que, contudo, nunca aprendeu a
andar para a frente".
A lei de Lord Keynes: "A dificuldade não está nas idéias novas, mas em escapar das antigas".
A lei de Bernard Shaw: "Patriotismo é a convicção de que o
país da gente é superior a todos
os demais, simplesmente porque
ali nascemos".
A lei de Hayek: "Num país onde o único empregador é o Estado, a oposição significa morte
por inanição. O velho princípio
de que quem não trabalha não
come é substituído por um novo
princípio: quem não obedece
não come".
A lei de Mark Twain: "Um
banqueiro é um tipo que nos
empresta um guarda-chuva
quando faz sol, e exige-o de volta quando começa a chover".
A lei de Lord Kelvin: "Grandes
aumentos de custos -com
questionável melhoria de desempenho- só podem ser tolerados em relação a cavalos e
mulheres".
A lei de Charles De Gaulle: "As
promessas só comprometem
aqueles que as recebem".
A lei de John Randolph, constituinte na Convenção de Filadélfia: "O mais delicioso dos privilégios é gastar o dinheiro dos outros".
A lei de Getúlio Vargas: "Os
ministérios se compõem de dois
grupos. Um formado por gente
incapaz, e outro por gente capaz
de tudo".
A lei do governador Mario
Cuomo, de Nova York: "Faz-se
campanha em poesia e governa-se em prosa".
A lei de John Kenneth Galbraith: "A política não é a arte
do possível. Ela consiste em escolher entre o desagradável e o desastroso".
A lei de Sócrates: "No tocante
a celibato e casamento, é melhor
não interferir, deixando que o
homem escolha o que quiser. Em
ambos os casos, ele se arrependerá".
No último uísque, Merquior
me contou um chiste anônimo,
que circulava em Londres: "A
natureza deu ao homem um pênis e um cérebro, mas insuficiente sangue para fazê-los funcionar simultaneamente".
Ao confidenciar a Merquior
que pretendia aposentar-me do
Itamaraty para ingressar na política, lembrou-me ele a lei de
Hubert Humphrey, vice-presidente dos Estados Unidos na administração Lyndon Jonhson,
que dizia: "É verdade que há vários idiotas no Congresso. Mas
os idiotas constituem boa parte
da população e merecem estar
bem representados".
Tendo em vista minhas ambições políticas, combinamos fabricar conjuntamente uma lei,
que passaria à posteridade como a lei Campos/Merquior: "A
política é a arte de fazer hoje os
erros do amanhã, sem esquecer
os erros de ontem".
Ao nos despedirmos, já mais
sóbrios, lembrei-me de duas leis.
A lei do King Murphy, que assim
reza: "Não estão seguras a vida,
a liberdade e a propriedade de
ninguém enquanto a legislatura
estiver em sessão". E a lei do sábio Montesquieu, o inventor da
teoria da separação de poderes:
"O político deve sempre buscar a
aprovação, porém jamais o
aplauso".
Em minha vida política no Senado e na Câmara, procurei
descumprir a lei de King
Murphy e cumprir a lei de Montesquieu. Sem resultados brilhantes nem num caso nem no
outro...
Roberto Campos, 82, economista e diplomata, foi senador pelo PDS-MT, deputado
federal pelo PPB-RJ e ministro do Planejamento (governo Castello Branco). É autor
de "A Lanterna na Popa" (Ed. Topbooks,
1994).
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